sado pelo muito que trabalhou pela cauza do soberano e da patria. Este ponto involve tanto interesse publico, e merece um tao serio desenvolvimento, que ainda brevemente voltaremos á elle. ESTADOS UNIDOS DA AMERICA. O Governo de Hespanha trata os seos negocios com tanta pericia na America como os trata na Europa. Pelo artigo que publicámos a pag. 179, viram os nossos Leitores, que nao contente com requerer aos Estados Unidos que se nao introm a auxiliar a insurreição das colonias, exige que por principio de negociaçao se lhe entreguem ainda certos territorios sobre que tem pertençoens. Ora isto hé querer nem mais nem menos excitar os Estados Unidos a fazerem uma guerra declarada contra a Hespanha. Nao pode haver duvida em que os primeiros tenhaō um grande interesse politico e local de verem a independencia das Colonias Hespanholas, e por consequencia se terao por mui felizes se o governo de Hespanha os leva, por meio de medidas extravagantes, a um rompimento declarado. Que tem que perder os Estados Unidos com esta guerra? nada. Que tem que perder a Hespanha? tudo. Hé logo prudente que esta ultima falle em um tom tao pouco medido, e arrazoado a uma potencia, que tem por assim dizer na mao a chave dos destinos das Americas Hespanholas? Os concelhos do Gabinete de Hespanha vao pois nesta parte bem coherentes com tudo o que tem feito, e vai fazendo na Europa. A sua politica, se o governo Hespanhol entedesse o que bé uma verdadeira politica, seria de tratar o melhor que podesse os Estados Unidos; e em lugar de lhes pedir territorios, como preliminares de nego-. ciaçoens, antes lhes havia de offerecer ainda alguns a fim de os obrigar a ficarem neutraes nesta delicadissima questao. Neste cazo o Governo Americano, ainda que The custasse, por decoro e por honra nao auxiliaria abertamente a insurreiçaõ das Colonias, e ficaria com as maos prezas para lhes dar o socorro que de certo muito dezeja. Até nos parece, que o mesmo Governo Americano há de hir imperceptivelmente puxando o Governo Hespanhol para um estado de desayença; e se este ultimo tivesse bom tino e prudencia havia de cuidadozamente evitar de cahir no laço que hé mui provavel se lhe arme. Oxalá que o Governo Portuguez veja com olhos mais abertos esta melindroza questao, em que talvez muita gente queira que elle se intrometa. Olhe o Brazil para os seos escravos, e nao dê occasiao a que nimguem os venha tentar com a perigoza golodice da liberdade! A Gazeta da Nova York de 13 de Fevreiro, como neste mesmo artigo annunciámos, dava por certa a despedida formal do Ministro Hespanhol, o Cavalheiro d'Onis; mas depois disso lemos no Times de 20 de Março o artigo seguinte, que desmente a primeira asserçao. Para sermos exactos, passâmos a copia-lo :~ Washington, 13 de Fevreiro. "Mr. Onis, Ministro de Hespanha partio daqui para hir visitar a sua familia em Filadelphia. Hé de crer, que o Editor da Baltimore Federal Gazette está de todo mal informado dos motivos da sua auzencia. Nenhuma ruptura houve entre elle e este Governo, segundo o que temos ouvido. O Marechal Grouchy, que ultimamente chegou de França a Baltimore, está agora nesta cidade." (Extracto das Gazetas Americanas.) Neste mesmo artigo publicámos a Pauta Americana relativa aos direitos de importaçao. Ella prova o juizo prudencia com que o Governo dos Estados Unidos fez o seo ultimo Tratado de Commercio com Inglaterra, porque por elle nao atou as maos para poder legislar dentro de caza como bem lhe parecesse. Agrada-nos tambem muito o principio de nao se prohibirem absolutamente as materias que se dezejao cohibir: o plano de as carregar de direitos mui fortes nos parece naō só mais liberal, porem mais prudente ou proveitozo. Quando um paiz importa fazendas estrangeiras hé porque necessita dellas, naō as tem em caza, ou nao saō tao boas como as de fora. Prohibir logo de repente estas fazendas a que um povo está acostumado, nao nos parece util nem racionavel, porque se estas manufacturas faltao no paiz, ou naõ saō tao perfeitas, nao podem em um instante crear-se ou VOL. XV. FF levar-se a perfeição; e a consequencia hé entao, que se promove indirectamente o contrabando, apezar de quaesquer leis rigorozas que para impedi-lo se façao: quem está costumado a satisfazer certos apetites corre todos os riscos para continuar a satisfaze-los. A imposição forte de direitos hé entao util, porque nem priva o povo de seos gostos, e excita os artistas nacionaes a crear, ou aperfeiçoar os mesmos artigos, estando certos de os vender, pela vantagem de as suas mercadorias terem de pagar muito mais limitados direitos do que as estrangeiras. Uma prohibiçao absoluta hé sempre um preceito tacito para pecar, porque excita dezejos irresistiveis. Nao succederá porem assim quando no mesmo mercado houverem as fazendas estrangeiras e nacionaes. Os individuos, a quem já falta o poderozo estimulo da prohibiçao, consultao entao mais as suas bolças, e vendo que as fazendas do paiz lhe custaō, por exemplo, 6; e as estrangeiras, ainda que um pouco mais perfeitas, 12; perdem pouco a pouco os seos caprichos, e se vao agarrando aos fructos do paiz. Assim, em pouco tempo começaō a ser menos procurados no mercado os generos estrangeiros, e a nao importaçao delles por si mesmo se executa. No artigo Portugal talvez ainda faremos uma applicação destes principios. BARBADAS. Por honra do Governo do nosso Principe, e pelo bom nome da nossa Patria muito nos tem custado ouvir o que se tem ditto e tem passado em Londres a cerca do navio mercante Portuguez-Fama, a respeito do qual já transcrevemos o extracto de uma Carta a pag. 18s. Este cazo, como era de esperar, tem aqui feito muita bulha, naõ só porque o navio tem aqui interressados, mas porque foi seguro, e aos seguradores nao se pode occultar a mais pequena circunstancia. Com effeito hé couza inaudita, e até para Inglaterra que naō está afeita a prezencear taes acontecimentos, hé couza incrivel, ou lhe parece conto fabulozo, que se lhe diga, que um navio mercante, propriedade sagrada de tantos individuos, fosse retido por 22 dias, depois de carre gado, no porto do Rio de Janeiro com o pretexto de ser paquete de despachos! Nós estamos bem certos, que nem o Principe nem os seos Ministros foraō individualmente sabedores da illegalidade e prejuizos que havia com aquella detençao; e que só algum subalterno (pratica tao ordinaria no Reino Unido Portuguez) servindo-se dos nomes do primeiro e dos segundos, foi a cauza verdadeira de um Acto essencialmente arbitrario, de que já tem resultado sobejos prejuizos; e sabe Deos quantos ainda podem rezultar! Para prevenir que taes procedimentos se venhao ainda a renovar, e para que S. A. R. e seos Ministros ponhao cobro a fim de que em seos nomes se nao tornem a cometer injustiças de tamanhas consequencias, de proposito escrevemos este artigo, porque sem o conhecimento do mal como se poderá elle remediar? O mal por esta vez já hé incalculavel; e os interessados na quelle navio tem direito a serem resarcidos de todas as suas perdas e damnos. O navio, em consequencia de estar por 22 dias carregado, e trabalhando sobre as amarras, entrou logo a fazer muita agoa, e vio-se na precisaõ de hir arribar as Barbadas. Nao está ainda aqui tudo: por cartas posteriores a que publicamos, já souberam algums dos interessados, que elle fôra obrigado a descarregar para fazer um concerto. Eisaqui pois já está o navio com 22 dias de demora no porto, com quarenta e tantos dias mais, perdidos até as Barbadas, e com quase todo o mez de Janeiro, e talvez todo o Fevreiro para concertar e carregar, tempo em que poderia ter chegado a Lisboa. Ainda que depois ali chegue a salvamento, com que perdas de tempo e de fazenda nao entra no porto de Lisboa? Aperda de tempo hé tal, que pelo menos consumirá em uma só viagem o que poderia gastar em duas de hida e vinda. Mas nao hé só a perda de tempo, hé a perda de fazenda que todo este mesmo tempo consome que se deve calcular; e todas as perdas juntas se podem reduzir aos artigos seguintes:-1° gastos escuzados de tripulaçao nos 22 dias de demora no porto do Rio de Janeiro: 2° gastos de arribada as Barbadas: 3° ditos de demora ali para mantimentos, e mais couzas necessarias para a tripulaçao: 4° ditos de concerto: 5° ditos de avarias de fazendas que não estiverem seguras, ou de seguros mais altos depois destas noticias: 6. perda de lucros que poderiao ter as fazendas se chegassem ao seo destino no tempo competente. Será bem dificil poder já calcular a soma total que darao todas estas perdas, mas não se pode duvidar de que virão a ser enormes. E quem hé a cauza de tudo isto? Uma simples ordem para reter uma própriedade alheia, e dada com tanta indifferença e tranquilidade como se por ella se executasse um acto de reconhecida justiça ou do maior interesse publico. O susto de alguns interessados na carga do navio era já tamanho, ainda sem conhecerem as circunstancias desastrozas da viagem, mas sómente em razao da demora extraordinaria e falta de noticias que delle havia, que derao ordens a alguns dos seos correspondentes em Londres para segurarem immediatamente as suas fazendas até 20 por cento. Veja-se por tanto a consternaçao que tem cauzado esta ordem arbitraria, que talvez ainda venha a arruinar numerozas familias. Mas todos estes gravissimos prejuizos saō, em nossa opiniaō, couza nenhuma, comparados com o effeito moral que vao produzir na praça de Londres. Constanos, que alguns seguradores de Lloyd's já declararam á certos negociantes Portuguezes:-Que uma vez que o Governo do Brazil se julgava auctorizado para reter os navios mercantes quando bem lhe parecia, nesse cazo se hiao dar providencias para augmentar indefinidamente o premio dos seguros relativos aos navios Portuguezes que de hoje em diante navegassem para o Brazil. E achará isto bom o nosso governo? E quererá que seja avaliado nos paizes estrangeiros como o governo de Constantinopola, aonde quando por um capricho se querem os bens de algum individuo basta remeter-lhe o cordao fatal, e á vista deste simples sinal, como uma ordinaria e regular letra de cambio, o individuo entrega prontamente seos bens e a vida? Com effeito, uma vez que se comecem a desprezar taõ abertamente os direitos sagrados da propriedade individual, um igual desprezo pelos direitos da vida dos homens hé uma consequencia bem proxima. Quem sem nenhum escrupulo tira a fazenda, com bem pouco ou nenhum tirará tambem a vida. Por honra e dignidade do |