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REFLEXOENS SOBRE ALGUNS ARTIGOS DESTE NUMERO

"Vitam impendere vero, et reipublicæ patriæ." ("Empregaremos a vida em defender a verdade, a nossa Patria, e o Augusto Principe que a governa.")

LITERATURA PORTUGUEZA.

A Concideraçao Politica e Religiosa a cerca da Re presentação que os Bispos da Belgica fizeram a El Rey dos Paizes Baixos, hé em nossa opiniao um escripto de muito merecimento pelo importante assumpto de que trata; e o seo Auctor fará de certo mui relevantes serviços a sua patria se continuar a escrever sobre couzas deste genero, porque Portugal muito precisa ainda ser instruido nestes e outros pontos Ecclesiasticos. A tolerancia hé o primeiro laço social, assim como a primeira das virtudes humanas: sem elle ou sem ella os homens passará ao estado de animaes selvagens ou ferozes, e o territorio de todas as naçoens do mundo se converterá em um vasto campo de batalha para guerras permanentes.

O primeiro homem, ou o primeiro Inquisidor, que concebeo o projecto de que a sua cabeça fosse a bitóla de todos os conhecimentos humanos, emprehendeo certamente uma bem estulta empreza, porem ao mesmo tempo foi o tirano mais atrevido que pode imaginar-se. Lançar algemas aos corpos hé muito praticavel quando para isto há uma força sufficiente, mas prender as ideas dos homens, ou traçar-lhes limites alem dos quaes seja vedado passar, hé com effeito um dispotismo de nova especie, que tanto mostra a fraqueza do espirito umano como um fundo de ambiçao miseravel. E que diremos, quando alem da concepção destes planos de estulticia e de soberba, se passou aos factos atrozes de levantar infames fogueiras, e nellas lançar milhares de corpos de individuos, que nao pensavao como este ou aquelle Inquisidor? Á Inquisição foi um monstro em politica e religiaō; e desde o primeiro dia que ella`deo ao

mundo o horrendo espetaculo de Lançar nas chamas victimas humanas, (entes seos semilhantes) teve logo contra si o grito geral da natureza ultrajada, que desde entao pedio e ainda pede vingança pelo sangue, que brutalmente derramou. Sim, qualquer Inquisidor ainda hoje se pode conciderar como descendente d'esse atro cissimo Cain em cujo semblante gravou a maō de Deos sua maldiçao pelo sangue fraternal que fez correr sobre a terra!

As bazes da Inquisiçao forao pois a intolerancia, e para acabar com aquella hé preciso aniquilar esta. Em quanto se nao admitir como principio Christao, politico, e filosofico, que a tolerancia das opinioens humanas bé naō só uma virtude, mas uma lei absolutamente necessaria no estado social, as inquisiçoens existiráō sempre de direito, e de facto, porque conce⚫dendo-se a um Inquisidor a prorogativa de circumscrever os limites do entendimento humano, com ella tambem se lhe concederá a outra immediata-de punir e queimar os individuos que ouzarem transpassar esses limites. Que um Romano ouzasse traçar um circulo á um Embaxador estrangeiro, e lhe ordenasse naō sahir delle sem lhe dar uma resposta, hé uma acçao assas atrevida porem nobré, que mui facilmente se concebe; mas que um Inquizidor ouzasse dizer a muitos milhoens de homens:-Vós pensareis como eu, ou eu vos farei prender e queimar vivos;-hé na verdade uma das maiores ouzadias, que a soberba e orgulho humano podiao praticar! Grandes serviços fez por tanto, o illustre e illuminado Theologo Portuguez, que tomou a generoza empreza de escrever o pequeno, mas interessantissimo escripto de que fallâA tolerancia não só hé necessaria como maxima natural e politica, mas como virtude Christam e religioza.

mos.

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Nós já o escrevemos em outra parte, e ainda agora o repetiremos; hé tao impossivel que todos os homens. tenhao os mesmos pensamentos, ou formem os mesmos raciocinios como que tenhaō as mesmas feiçoens ou iguaes fisionomias: logo assim como seria o cumulo do absurdo e crueldade punir dois individuos por nao terem ambos a mesma Čara, tambem nao menos barbaro e insensato será o castiga-los por ambos nao

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terem iguaes opinioens. A natureza que caracteriza os homens com variedade infinita de formas exteriores, taōbem essencialmente os distingue no interior por outra variedade nao menos infinita. A natureza contradiz portanto essa lei quimerica de uma geral uniformidade, que o orgulho.humano debalde tem querido sanccionar com cadafalsos e fogueiras. Isto suposto, que deve rezultar nas sociedades humanas desta natural, necessaria, e constante diversidade de opinioens? Ou que os homens se constituaō em estado de guerra permanente, ou que mutuamente se tolerem. Este ultimo cazo hé logo o unico, que a razaō e a politica pres

crevem.

Os homens, quer sejao conciderados collectivamente como naçoens, ou individualmente como entes singulares, aprezentao de facto, a pezar de todos os esforços da violencia e do poder, uma variedade constante de opinioens e sentimentos; e esta variedade ou deve ser olhada como um crime, ou como uma irremediavel estructura moral da natureza. Se for conciderada como crime, eis ahi o mundo todo em guerra, e nunca se poderá conseguir o fim da uniformidade, em quanto a especie humana aniquilada nao ficar reduzida a um só e unico individuo. Hé por consequencia assas claro, que a politica nunca pode fomentar nem menos aprovar esta guerra de opinioens, porque ella nao conduz senaō a uma devastaçao universal. Se a mesma politica porem olhar com olhos filosoficos para esta geral diversidade de pensar, e simplesmente a conciderar como um defeito natural da nossa especie, effeito constante e irremediavel, entaō há de ver evidentemente, que a tolerancia hé necessaria, e que sem ella naō podem haver sociedades, ou naçoens.

Nao só nao poderaō haver sociedades ou naçoens, mas estas mesmas muito menos poderáō cordialmente tratar entre si, auxiliar-se ou mutuamente defender-se, porque uma vez que nellas há de certo diversidade de opinioens religiozas e politicas, e esta for olhada como um crime, quebrao-se assim todos os lacos sociaes, e os homens, que se deviaō reputar como membros de uma unica familia, passaō a cruelmente aborrecer-se. Hé logo bem claro, que o fomentar ou auctorizar a intolerancia, hé destruir as bazes funda

mentaes das sociedades humanas, porque com ella se propagao os odios e as vinganças; e por instituiçaõ e por habito se convertem em inimigos entes que a natureza fez irmaos, e destinou para serem amigos. Mas, se os governos tem, ao menos, reconhecido a necessidade de uma tolerancia parcial, isto hé, a necessidade de admitirem nos seos estados os estrangeiros de diversos sentimentos religiozos e politicos, porque nao teraō a mesma tolerancia com os habitantes do paiz em que saō Chefes, e ha de ser mais generosos, ou, o que vale o mesmo, menos escrupulozos com os estranhos do que sao com os seos nacionaes?

Assim como a humanidade e a politica exigem que os differentes povos da terra se amem, e mutuamente se auxiliem sem repararem quaes sejaõ as suas diversas opinioens religiozas ou politicas, mas simplesmente conciderando-se como homens e como irmãos, com muita maior razao entre os habitantes de um mesmo paiz deve haver esta mutua tolerancia. Uma naçaō hé uma familia, e uma familia nunca pode ser feliz sem paz domestica, e sem o reciproco amor de todos os seos membros. Ora se o governo, que prezide a esta nação ou a esta familia, mostra nao só mais predilecçao por uns individuos do que por outros, mas até os trata com desprezo, ou os persegue por que nao tem as mesmas opinioes dos que governao, a consequencia immediata será, que o descontentamento e os odios se propagaráō em vez do amor e da affeição; o governo, em lugar de ser conciderado como protector e como pai, será olhado como padrasto ou como tirano; e os concidadaôs, em vez de se tratarem como irmaôs e como amigos, ver-se hao como estranhos e inimigos. As maximas de perseguiçao e intolerancia sao boas para os governos essencialmente. barbaros e tiranicos, por que este sistema promove as perseguiçoens, as vinganças, os roubos legaes, e as prizoens; e em tudo isto achao semilhantes governos um fundo inexhaurivel de riquezas parciaes, com que engordao alguns poucos com a ruina e mizeria de muitos. Porem em tal cazo que valor tem essencialmente essas naçoens em que o espirito de intolerancia predomina? Nao há patriotismo, por que nao há confiança reciproca nem entre cada um dos individuos da nação, nem nas pessoas que a go

vernao; desaparece a industria, e todo o desenvolvi mento das faculdades intellectuaes, porque cada um esconde as suas ideas como esconde o seo dinheiro; e uma naçaб assim constituida marcha rapidamente á tenebroza ignorancia, de que nao pode resultar se naō fraqueza, cegueira miseravel, aniquilamento de espirito publico, e perda real da sua politica dignidade.

Para elucidar-mos com exemplos domesticos estes principios de eterna verdade, indaguemos por um pouco o que forao os Portuguezes em outro tempo, em quanto o seo pensamento foi tao livre e energico como seos braços, e o que vieraō a ser quando deste estado natural passaram a ser governados pelas inaximas da intolerancia e Inquisiçao. Em quanto a espada de nossos avós nos abria o caminho da gloria e das riquezas á travez dos sertoens d'Africa, e das brilhantes campinas do Oriente, nossos escriptores, inspirados ora pela Muza da poesia ora da historia, celebravaō as couzas da patria e os altos feitos de seos heroes com uma liberdade, energia, e espirito tao pobre, que hoje nos faz pasmar e envergonhar no estado decahido em que nos vemos. Sim; em que viemos a parar, quando depois de tanta grandeza nos mandou Roma para governar-nos Inquisidores, e Jesuitas? Compare-se a corte magnifica, rizonha, e instruida do Snr. Rey D. Manoel com a corte sacerdotal, fanatica, e tristonha d'El Rey D. Joao III.; e nos diversos principios que as derigiao achará o observador as verdadeiras causas da nossa grandeza e decadencia." Aonde sao hidos, "dizia nesta ultima epocha o nosso judiciozo Sá e "Miranda, chorando o aviltamento da patria, sim, "aonde sao hidos os festins e seroens de Portugal, tao "afamados no mundo ?" Toda a gracioza e amavel urbanidade Portugueza havia morrido sufocada nas fogueiras Inquisitoriaes, e as suas lavaredas já começavam a mirrar e a crestar os mais sublimes productos do entendimento Portuguez. Depois que aos triumfos d'Africa e d'Asia se seguiram os espetaculos barbaros dos Auctos da Fé, e das Fogueiras, e em lugar dos trofeos brilhantes do Oriente vio o povo de Lisboa montoens de cadaveres, e de cinzas humanas, ensopadas no sangue dos Mouros, dos Judeos, ou dos incredulos, (espetaculo impio, dado em nome da religiaō +

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