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mas aos satellites, que estao ao lado delles, avarentos lisongeiros, e sanguesugas, que lhes negao a verdade fingindo-lhes sempre amizade, e zelo publico.

Hac una Reges olim sunt fine creati,
Dicere jus populis, injusta que tollere facta.

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INTRODUCÇAO.

Para bem desempenhar o difficultozo e arduo objecto, que atégora nunca fei tratado entre nós, e que se contem no Discurso seguinte, hé necessario recorrer ao direito tradicional e consuetudinario, que se observou entre nós no principio do Reino, em quanto as leis erao poucas, direito este, que nos ficou da Legislaçao Romano-Visigothica, muitas vezes citada nos documentos daquella idade, a qual se refere na legislaçaõ criminal dos foraes e leis escriptas naquelle tempo. Ŏ foro de Leaō ou o livro intitulado Fuero Juzgo (que alguns nao sei se com razao, reputao ser o mesmo Codigo Gothico) que D. Affonso V. de Leaō, e depois D. Fernando o Magno mandarao guardar nos Estados de Galiza, e Portugal, e de que usarao os nossos maiores, ainda depois de erecta a monarchia, tambem faz parte da nossa jurisprudencia criminal. Para combinar a proporção entre o delicto e a pena, nao basta recorrer á natureza absoluta do mesmo delicto, mas hé tambem necessario recorrer à natureza relativa do delicto e da pena, segundo o estado civil, moral, politico, economico, e militar da naçao, nas suas differentes épocas, o que muito influe na legislaçaõ criminal. A situaçao politica da naçao, a forma do seu governo, o estado da liberdade civil, o direito feudal, o espirito militar e de cavalleria, os direitos municipaes, o das guerras privadas, ou revindictas, que naquelles tempos faziaō grande parte das suas mal entendidas franquezas e liberdades, certo que se nao poderiaõ alterar sem grande turbaçao da cidade; o que pode justificar em parte a economia do nosso direito criminal naquelles tenebrosos tempos, direito este que hoje hé barbaro e inapplicavel aos presentes costumes, o que digo em

abono dos nossos legisladores. A gradaçao, que deve haver para se guardar exactamente a proporção entre os delictos e as penas, hé muito difficultoza, e nao pode ser perpetua: porque os costumes variaõ de seculo em seculo, e demandao nova legislaçao, que deve variar á proporçao que variao os costumes. Nao me gabo de ter desempenhado o objecto, a que me propuz, com aquella dignidade que elle pede. Há muitos annos que trabalhei o presente Discurso, o qual se achava em um borraō quasi imperceptivel. Q Cl. Joao Paes de Lima Leal Castel-Branco, meu amigo (palavra que tendo dual sómente entre os Gregos, tenha o por esta vez tambem na lingua Portugueza) magoado de ver perder o meu manuscripto, o alimpou, emendou, e salvou, com o fim de o fazer estampar, no que se persuade fazer algum serviço á jurisprudencia, e a patria, trabalho este, que hoje me nao permitte a quebra de saude, fructo de cançados trabalhos litterarios.

Os defeitos das nossas leis criminaes nao se devem attribuir aos legisladores, mas sómente aos tempos, em que forao feitas. Podemos dizer daquelles tempos o mesmo, que Cicero de Divinat, 11., 33, dizia dos pri meiros teinpos de Roma: Errou em muitas cousas a antiguidade, cujos erros vamos mudando ou por costume, ou por doutrina dos sabedores, ou por inapplicaveis aos actuaes costumes. As presentes leis, principalmente as criminaes, saa hoje impraticaveis, como se diz no Decreto de S1 Março de 1778, pelo qual se mandou fazer um novo Codigo. Os jurisconsultos, que mostrao aos Soberanos os defeitos das leis, fazeni á patria e a humanidade grande serviço. A sociedade Economica de Berne, e a Academia de Châlons sobre a Marne, tem promettido grandes premios á quelles, que proposerem as leis menos severas, e as mais promptas para evitar os crimes. A difficuldade deste objecto provem nao tanto da natureza dos crimes, como dos prejuízos dos homens. O criminoso ainda hé cidadaō, e deve ser tratado como um doente, ou ignorante, que hé necessario curar, instruir, e cauterizar, segundo a enfermidade, no que não somente interessa elle, mas a mesma sociedade. As leis criminaes dos povos antigos, que se achao recolhidas por Paulo Canciani, e que passarao para a maior parte dos Codigos actuaes

da Europa, sao injustas, crueis, e supersticiosas. Estas leis forao edificadas sobre as Romanas, que sao mais barbaras, supposto que supersticiosamente adoradas, e adoptadas nos Codigos actuaes da Europa. Esta monstruosa compilaçao das leis Romanas he a origem de muitas leis atrozes, que ainda hoje se observao. Seria para desejar, que os leis fossem taes, que o juiz nenhum arbitrio tivesse, e que nunca dissesse: A lei nao quadra para este caso: cessando a razao du lei, cessa a lei: o que faz o juiz legislador, e todo o direito arbitrario, no que vai grande damno á republica. A interpretaçao das leis hé um grande mal, como diz o Marquez de Beccaria: Dei delitti e delle pene § 4. O juiz deve julgar pela lei, e nao da lei de outro modo as leis nada differirao das têas de aranha, nas quaes ficao sempre presas as moscas, isto hé, os fracos, e saō sempre rotas pelos moscardos, isto hé, pelos poderosos, como diz Solon em Plutarcho, A nossa Caza da Supplicaçao, tribunal supremo da justiça, tem pelas leis do Reino o poder de interpretar as leis; mas ella naõ interpreta, mas revoga as mesmas leis, contra o seu espirito e letra; merece que se lhe tire este poder pelo abuso que faz e tem feito delle contra os direitos da Soberania; ou ao menos que seus Assentos nao valhaō sem serem primeiro confir mados por El Rei. Dou em prova os mesmos Assentos contradictorios uns aos outros, e feitos para casos particulares. A Jurisprudencia entre nós hé arbitraria, hé um chaos, e nem o fio d'Ariadna hé capaz de nos livrar do labirintho das leis, que pela maior parte, principalmente as criminaes, sao injustas, barbaras, crueis, e deshumanas, e tem por fundo a legislaçao Romana dos ultimos tempos. As demandas são immortaes, e a maior parte do Reino vive d'ellas. Este vicio hé geral em toda a Europa, e o foi em todos os tempos, e já Cicero dizia que todo o homem sensato devia fugir de demandas ainda mais do que hé licito: nos Juizos, geralmente fallando, nada há que fiar; nestes se commettem maiores latrocinios do que nos bosques pelos ladroens, como diz Boehmero Exercit. cr., ad. lib. XLVIII. Pand. tit. 19, nas palavras seguintes: Nihil enim tam sanctum et religiosum, quod non flagitiosa hominum eupiditas aut perversa Juris applicatio inquinare et cor

rumpere possit, adeo ut Paris de Puteo haud inique in hæc verba eruperit, maiora fere latrocinia injudiciis, quam a latronibus in silvis committi; præsertim si antiqua tempora, quibus fora_criminalia fœdissimis repleta erant navis, intueamur. Quasi do mesmo modo se explicou Saavedra, Empres. xx1. nas palavras seguintes: Las plazas son golfos de pyratas, y los tribunales bosques de Foragidos. Los mismos que avian de ser guardas del derecho, son dura cadena de la servidumbre del Pueblo, &c. Felizes aquelles, que podem escrever das virtudes e ensinallas aos outros. Nada pelo contrario mais duro e mais perigoso do que occupar-se em enumerar os vicios do homem, o peior e o mais estupido de todos os animaes. A verdade pare inimigos, e perseguiçoes: mas o animo do philosopho intrepido se constrista com a cogitaçao das miserias. Em todos os Codigos da Europa há crimes sem pena: mas muito maior hé o numéro das penas sem crimes ou de crimes fantasticos e imaginados pelas leis. Quasi o mesmo pensamento se acha no grande Renazzi Elem. Jur. crim. liv. 1. Cap. 15. § 6. no fim: Felices quibus datum est scribere de virtutibus eas que homines docere, Nil contra durius, quam in hominum vitiis enumerandis, exponendisque versari. Siquidem contristatur animus cogitatione miseriarum, quibus sui similes urgentur, et afflictantur, eumque alto perfundit pudore intueri, quot sit capax malorum humana nequitia. Serei breve: Grande Livro, grande mal. Non tanquam in Romuli faece sentimus.

DISCURSO-SOBRE DELICTOS E PENAS, E QUAL FOI SUA PROPORÇAO NOS DIFFERENTES PERIODOS DA NOSSA JURISPRUDENCIA PRINCIPALMENTE NOS TRES SECULOS PRIMEIROS DA MONARCHIA PORTUGUEZA..

§ I. As nossas leis criminaes nuo guardao proporçao entre o delicto e a pena..

O conhecimento da enfermidade hé o primeiro passo para a saude. Entre os defeitos de qualquer legislaçaõ criminal deve-se contar, como o primeiro, a despro

porção ou desigualdade entre os delictos e penas. Esta hé facil de encontrar a cada passo em todas as leis naō só de Portugal, mas de toda a Europa. As nossas criminaes, assim como todas as outras, foraō feitas, por assim me explicar, entre o estrepito das armas e tambores, num tempo, em que a philosophia nao tinha ainda lançado raizes entre nós, e em que os costumes da Naçao eraõ geralmente rudes, agrestes, e guerreiros, e a verdadeira moral desconhecida: e por isso aos homens fazia entao maior e mais viva impressaō a dureza das penas, que a sua brandura: tempo, em que por falta de educaçao publica, e falta de costumes, sem os quaes as leis nada podem, mais se procurava cortar e queimar, do que curar. Era entao desconhecida a grande arte de prevenir os crimes, que hé a primeira obrigação do Legislador (Alvara de 28 de Abril de 1681, Čoll. 1. a Ord. liv. 1. tit. 33 n. 40.) e as mesmas leis davao causa a muitos. Naō hé por tanto de admirar, que á quelle, que entra no sagrado templo das nossas leis, e pretende achar a razao e proporçaō entre ellas mesmas, e entre ellas e o delicto, succeda o mesmo, que á quelle, que tendo corrido um, labirintho as apalpadellas, se persuade, que pode desenhar-lhe o plano. Com tudo para conseguir o fim, a que me hei proposto, correrei pelos trez primeiros seculos da Monarchia, colhendo a qui e alli o que me parecer que pertence para este assumpto. Para este fim me servirei tambem o que poder dos nossos historiadores, que será pouco; porque acostumados a historiar assedios, campos, e batalhas, sao de ordinario, como os commentadores das leis, diffusos sobre cousas de pouca monta, mudos, e silenciosos sobre o que se quizera saber delles. Outro si me servirei das leis das Cortes, direito consuetudinario, e foraes da Naçao, ainda que nao farei mençaõ de todos, por ser escusado, ea sua indagaçao de medidas, que nao estao ao alcance de um particular occupado e terei como guia o que diz o Jurisconsulto Portuguez, que nos deu o primeiro, o melhor, e o mais completo Compendio de Jurisprudencia Criminal, que podiamos receber, no anno de 1794: quero dizer Pascoal Jozé de Mello Freire.

Foi reimpressa a mesma Obra em vida do Autor no officina da Academia Real das Sciencias de Lisboa no anno de 1795 e 1796,

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