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CAPITULO VIII

Magalhães e a geographia antiga

Na edade media a geographia não passava de um acervo de lendas e verdades, mal delineadas, extraidas dos ensinamentos geographicos de gregos, romanos e arabes.

Os romanos, gente eminentemente pratica, entendiam que a geographia era um conjunto de guias, roteiros e cartas itinerarias, das quaes ainda hoje existe um exemplar, conhecido pelo nome de Quadro de Peutinger, especie de mappa-roteiro do Imperio Romano, feito na primeira metade do seculo IV, constituindo uma copia, ligeiramente modificada, de modelo anterior, varios seculos. E por ter pertencido ao fidalgo Peutinger, grande senhor de Augsburgo, deram-lhe o nome citado.

Os gregos, muito propensos aos grandes problemas da intelligencia, eram mais theoricos. Discipulos dos egypcios, professavam um culto apaixonado á geographia, e, seculos antes da éra christã, já acreditavam na esphericidade da terra, ensinada por Hipparcos (125-160 a. C.) Thales de Mileto (640-548 a. C.), Anaximandro (610-547 a. C.), Anaximeno (588-534 a. C.), Herodoto (484-408 a. C.) e Aristoteles, (384-322).

Nos seculos medievaes os conhecimentos geographicos da Europa eram profundamente mythicos, constituindo um amalgama de relatos gregos, de indicações romanas, de descripções arabes, encontradas em varias fontes, taes como a Cosmologia, de Thales; a Theoria do Infinito, de Anaximandro; O

Ar, de Anaximeno; O Oceano, de Possidonio; Questões Naturaes, de Seneca; Metereologia, de Aristoteles; Montanhas e Rios, de Ctezias; Historia Natural, de Plinio; Geographia, de Estrabão; Topographia Christã, de Cosmos Indicopleuste; Geographia, de Zemarco; Geographia, de Hipparcos e as Peregrinações de um curioso ou exploração das maravilhas do Mundo, do arabe Edrisi.

Desses livros tirou a sabedoria geographica dos seculos medievaes o seguinte ensinamento sobre a terra.

<< A terra é plana e divide-se em duas partes: ecumena ou parte habitada, e anecumena ou parte deshabitada. A primeira subdivide-se em tres regiões: Asia, Lybia e Europa, sendo esta ultima a mais extensa das tres. Limita-se a ecumena da seguinte forma: ao norte, com o circulo polar, além do qual se estendem os gelos eternos; ao sul, com o tropico, marco das regiões do fogo; ao oéste, o mar Occidental ou mar Tenebroso, povoado de duendes; a leste o mar Oriental, mysterioso e insondavel. Os extremos habitaveis são as ilhas da Britannia, ao norte; o Sudão e a terra dos grandes lagos, ao sul: a China, a leste; e as ilhas Fortunadas, ao oeste.

O sol corre por cima da terra e, á tarde, esconde-se detrás de uma grande montanha para obrigar os mortaes ao descanso. Os homens tem varios aspeitos, conforme a região que habitam.

Ha gentes de cabeça de passaro; outras, de pés de porco; outras, de uma só perna; outras, de um só olho na testa; ha viragos, mulheres guerreiras, mulheres metade peixe, metade gente; anões bellicosos e gigantes antropophagos.

O mar Tenebroso tem agoas negras como breu, bravias como a ira divina. Suas ondas furiosas suspendem-se no espaço immenso e obscurecem a luz solar. Quem navegar o mar Tenebroso, perde a no

ção do tempo. Nelle se encontram ilhas mysteriosas, ante-camaras do inferno. Ao longe, onde as encapelladas ondas se rebentam em turbilhões negros, se levanta a ilha do Castigo, pejada de arvores vermelhas, grande e pavorosa, na qual Judas soffre á pena de sua vil traição, recusado pelo inferno, e Nero cavalga um corcel de fogo, galopando doidamente. Gritos horriveis dahi se levantam em clangores, num ecoar lugubre e agoniado que géla o sangue nas veias dos atrevidos navegantes. >>

Os arabes, senhores do caminho da Asia, intelligentemente comprehenderam os proveitos que adviriam para elles da conservação dessa geographia lendaria e ampliaram-n'a com o mytho de Adamasstor, assim descripto:

« Do lado do poente, ex-abrupto, o mar se convulciona e se abre, surgindo das agoas ensanguentadas o guardião milenar do mundo inatingivel, dizendo apenas, com seu aspeito horrivel, em de trovão:

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« Não se passa aqui.». E' Adamastor. >> E o geographo Edrisi falava do Atlantico ou mar Tenebroso, da seguinte fórma:

<< Ignora-se o que existe além do Mar Tenebroso; nada se sabe a seo respeito por causa das difficuldades que oppõem á navegação a espessura das trevas, a altura das vagas, a frequencia das tormentas, a multiplicidade de animaes monstruosos e a violencia dos ventos. Ha, comtudo, neste oceano grande numero de ilhas, ou sejam habitadas ou desertas; mas nenhum navegante se tem aventurado a atravessal-o, nem a cortar o mar alto, limitando-se todos a seguir as costas, sem perder nunca a terra de vista. As vagas deste mar, da altura de montanhas, bem que se agitem e se comprimam, ficam sempre inteiras e insulcaveis sempre. >>

Tal era a sabedoria dos geographos notaveis da edade media, antes dos gloriosos descobrimentos da

gente iberica. Coube aos portuguêses a missão grandiosa de ir anniquilando, aos poucos, essas lendas esturdias que faziam da geographia medieva mais um tratado de mythos que uma descripção verdadeira de terras e gentes.

E foi quasi no fim desse portentoso periodo da Historia Universal, annos depois das viagens estrondosas de Colombo e Cabral, que surgiu a figura extraordinaria do arrojado e formidavel Fernando de Magalhães.

Já era facto conhecido e acceito a esphericidade da terra, embora a intolerancia de alguns espiritos sectaristas ainda procurassem contrarial-a.

Virgilio, bispo de Salisbury, no anno de 711, fez um livro procurando demonstrar a esphericidade da terra e a existencia dos antipodas, e de outros continentes, além dos que já eram conhecidos no seculo VIII. Era a repetição de uma conjectura do grego Hipparco.

Tal affirmação contrariava os textos biblicos e a Curia Romana formulou contra elle vehemente accusação de heresia. O famoso Bonifacio, cognominado o apostolo da Germania, foi encarregado de articular o libello. E sómente graças a uma formal retractação, conseguiu o bispo de Salisbury o perdão do papa Zacharias. Seculos depois surgiu uma nova tentativa para o esclarecimento da verdade geographica. O cardeal Nicoláo de Krebs, natural de Cusa, em sua admiravel obra Docta ignorantia, o ensinamento do

repetiu, no meado do seculo XV,

bispo Virgilio.

Convidado pela curia romana a comparecer em Roma, para se ver processado, não chegou até lá, porque morreu em viagem. E no principio do seculo XVI, o conego Nicoláo Copernico expoz em Tranemburgo, os mesmos principios já ensinados por Krebs e Virgilio de Salisbury. Mas desta feita ia forte a reacção contra o romanismo, e a theoria do prus

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