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CAPITULO X

No tempo de Isabel

Em 1562 um anonymo traduziu em inglês a poema italiano « Romeo e Julieta », escripto por dois poetas mediocres, Luigi Porta e Bandello. Essa traducção inglêsa, lida por Shakespeare, suggeriu-lhe uma adaptação theatral, destinada a um gránde suc

cesso.

Sabe-se hoje que William Shakespeare foi um admiravel psychologo, um profundo conhecedor da alma humana. Antes de escrever uma peça, lançava os olhos para a sociedade de seo tempo e della retirava os typos desejados. E, através de um estudo genial, apresentava-os ao publico. Assim é que poz no palco Cesar, Coriolano e Marco Antonio sob um temperamento genuinamente inglêses, muito distanciados daquelles que nos foram revelados pela prolixidade de Tito Livio ou pela concisão impressionante de Plutarco. E assim, Cesar, Coriolano e Mar co Antonio são méros retratos de inglêses sob a

mascara romana.

Os inglêses, asserta Tobias Barreto, em todos os tempos levaram vantagem ás outras nações no gosto e no talento de copiar a vida real com uma fidelidade photographica. Em verdade, os typos de Shakespeare são verdadeiros retratos, exactas esteriotypias da gente do seo tempo. Romeo, Falstaff, Schilock e Hamleto são photographias admiraveis de

dos a uma lei psychologica incontrastavel, continuam a viver na sociedade actual, porque a alma humana, em sua generalidade, tem o quadruplo aspeito de Romeo, Schilock, Falstaff e Hamleto.

O tragico inglês, como todo o genio, não se submetteu ás normas literarias de seo tempo, prenhe de hellenismo. Seos personagens são o producto exa. cto da tara que herdaram, do meio em que viveram, da culpa que praticaram, isso tudo tão bem imaginado e estudado, que em cada heróe shakespeareano encontramos a força do destino impregnando o caracter e a força do caracter impregnando o destino. Essas duas prensas formidaveis, destino e caracter, que comprimem deste o principio do mundo, e continuarão até o fim, a comprimir a alma humana, delineando a psycho-objectividade da vida, foram o machinismo de que se serviu William Shakespeare na concepção e execução de suas peças, & que quatro seculos depois tambem foi manejado por outro genio saxonico Heinerich Ibsen.

A personagem shakespeareana é de tão profunda observação, que sómente a philosophia moderna poude comprehende-la em sua essencia e explica-la como suprema verdade, consoante o grande e immortal philosopho Fuerbach: «A verdade não é nem o materialismo, nem o idealismo, nem a psychologia a verdade é a anthropologia »>.

E parece impossivel que essa sciencia nova e assombrosa tivesse sido advinhada e servido de base para um actor inglês escrever tragedias em versos de ouro, calcados sobre um fundo de rutilante verdade scientifica.

Em cada heroe shakespeareano enxergamos um grupo indiviso, constituido por uma locomotiva e um

machinista: a locomotiva é o corpo, o eu objectivo; o machinista é a alma, o eu subjectivo.

A machina sáe de uma estação inicial e deve chegar a uma estação terminal. Do machinista depende o cuidado das manobras, a rapidez da marcha, â suavidade da chegada. Mas, a estabilidade dos trilhos, a limpeza da estrada, o desimpedimento da linha não dependem do machinista. Tampouco depende do machinista a imperfeição da machina que póde inutilisar seos esforços. E para que uma viagem se effectue de principio a fim sem accidentes, será mistér que machinista, machina e estrada sejam bons. Em caso contrario, sobrevirão desastres, ou por impericia do machinista, ou por intransitabilidade da estrada, ou por todas essas coisas reunidas. Tal é a noção da vida que nos fornece um dos mais extraordinarios philosophos contemporaneos: Tolstoi.

Pois, quem estudar Shakespeare se aperceberá de que era essa a sua concepção sobre a vida hu

mana.

O homem nasce com qualidades physicas e psychicas herdadas; cresce, vive e luta sob a coacção da sua alma, de sua natureza. Entretanto, considerase e sente-se livre, e, em tal persuasão, age; mas suas acções não passam de actos reflexos, corollarios naturaes, dependentes do corpo e do meio em que esse corpo vive. E, na verdade, a paixão é o corollario logico e infallivel das condições da alma, do corpo e do meio.

Haverá, por exemplo, penna que possa retractar, com tamanha perfeição, um caracter humano como o de Ricardo III, bosquejado, traçado, colorido em um simples monologo? Esse monarca commette um crime sem que siquer uma unica circumstancia secundaria the obscureça a acção criminosa. Reune to

dos os factos em uina reconstrucção terrifica, julga-os em conjuncto, depois, um por um, caracte riza-os e inquire sua origem. Reune em si, ao mesmo tempo, quatro entidades distinctissimas: accusador, accusado, defensor e juiz. E, accusando, relatando, defendendo e julgando um crime hediondo, eile representa a eterna ansiedade humana, acorrentada ao rochedo de Prometheo.

Agora que vimos como Shakespeare apresentava ao publico seos personagens, estudemos a sua Julieta, que teve existencia real, que foi uma princeza da Inglaterra.

Julga-se geralmente, diz Haliwell («Life of Shakespeare»), que o grande poeta aproveitou todas as peripecias do poema italiano de Luigi Porta e Bandello, apresentando ao público, em versos alambicados, um enredo de amor inverosimil, uma pieguice qualquer, propicia ao sentimentalismo dos meridionaes. Entretanto, accrescenta, quão erroneo é esse juizo superficial. Aquelle suave romantismo, cantado em versos sentimentaes por Julieta e Romeo, é, apenas, uma traducção fiel de devaneios de amor, tão naturaes na época quinhentista, em que brilhou Shakespeare.

E esse enredo, para muitos inverosimil, nada mais é do que, «mutatis mutandis », um episodio commoventissimo, desenrolado, não em Verona, como conta o poeta, mas na propria cidade de Londres, na mesma occasião em que a tragedia era posta em scena. Apenas havia um simile entre o enredo do poema italiano e o da tragedia londrina. Foi por isso que, representada a primeira vez, tendo causado um successo assombroso, e verificada a semelhança moral entre Julieta e lady Arabella Stuart, a mais lin

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